quarta-feira, 7 de março de 2012

Inquietude ou a solidão dos sentidos...



VI Capítulo

 

( Enigma)

Sentiu o telefone a vibrar. Tinha-o deixado em cima da pequena estante de mogno que mantinha teimosa e inesteticamente a um dos cantos da sua sala. Olhou para o relógio, passavam 35 minutos da meia noite. Quem seria? Aquela hora? Ainda meio atordoado pela carta de Lídia e pelos pensamentos a que ela o tinham levado, fez tenção de se levantar, indolente e vagarosamente, demorou tanto tempo a chegar ao telemóvel que ele entretanto parou de vibrar.
Recuou, pegou no maço de cigarros,  retirou um e acendeu-o. Pegou no telemóvel e encaminhou-se para a larga janela abrindo-a.
Sentiu um frio lancinante entrar pela sala, era Dezembro e aquela noite avizinhava-se vir a ficar ainda mais fria. Enquanto expirava para fora num longo sopro brando e morno o fumo de uma vigorosa passa, desbloqueou o telemóvel.
A chamada era de Teresa, a sua ex. mulher.
Teresa? O que quereria? Antes de pensar sequer em responder ou mesmo compreender, o telefone voltou a vibrar, Teresa novamente.
Levou um segundo a pensar, atendeu.
Do outro lado.
- Boa noite Afonso, acordei-te?
- Não! Disse laconicamente, boa noite também para ti, está tudo bem contigo?
- Está! E contigo? Estavas acordado?
- Comigo está tudo bem, estava aqui apenas sem sono a fumar um cigarro, mas estava preparar-me para me deitar. Então o que me querias?
- Nada de especial, apenas se querias ir tomar um café comigo amanhã?
- Um café? Amanhã? Só isso?
- Sim. Gostava de falar contigo, era importante para mim.
- É assim tão importante, que precisasses de me ligar a esta hora?- Disse Afonso algo intrigado.
- Não me queres adiantar mais nada e dizer do que se trata?
- Não! Preferia dizer-to pessoalmente, não é nada de grave, mas preciso mesmo de falar contigo.
- Está bem, liga-me amanhã depois de jantar e combinamos a hora e o sítio. Tens a certeza de que está tudo bem? – Insistiu.
- Sim, não te preocupes, amanhã falamos, um beijo, dorme bem.
- Um beijo, até amanhã.
Desligou, sentindo um arrepio. O frio que se fazia sentir era cortante.
Fechou a janela, dirigiu-se à estante e pousou o telefone.
Que seria que Teresa lhe tinha para dizer? Assim tão importante? Seria algo importante, senão ter-lhe-ia ligado noutra hora. Ficou intrigado.
À já cerca de dois meses que não sabia nada dela, e agora assim de repente ligara-lhe.
Bom não valia a pena esforçar-se por perceber, além do mais sentia-se também cansado em demasia para o fazer.
Apagou a luz da sala, encaminhou-se para o quarto, onde se despiu e se deitou na cama fria, adormecendo logo de seguida.
Teresa ligou-lhe no dia seguinte, conforme haviam combinado ficaram de se encontrar depois de jantar, em Lisboa, num bar que ambos conheciam. Afonso chegou primeiro, como de costume, Teresa nunca primara pela pontualidade, isso ainda o irritava.
Quarenta minutos e algumas chamadas depois, Teresa chegou.
Trocaram dois beijos como dois amigos desinteressados, não sem antes Afonso a censurar pelos seus constantes e habituais atrasos nos compromissos.
- Vamos entrar? Está muito frio aqui fora – Disse Teresa.
- Vamos! – Disse Afonso- deixando que Teresa passasse para a sua frente.
Sentaram-se a um canto, num sofá longo e vermelho, de tecido aveludado, velho e coçado.
Afonso assim que o empregado chegou, pediu.
- Boa noite. Um Vodka limão e um licor Beirão com Red Bull, olhando para Teresa, que com um olhar cúmplice, lhe indicava num breve aceno com a cabeça que sim, era isso que queria.
- Ainda não te esqueceste do que gosto, observou.
- E também não me esqueci do que tu não gostas. – disse Afonso com um sorriso demasiado sarcástico e cínico.
- Então o que era tão importante que não podia ser dito ao telefone, Teresa?
- Estás curioso e ansioso em demasia! Tem calma, não te preocupes, o que te quero dizer é rápido, mas tinha de to dizer pessoalmente. E outra coisa com a qual não te deves preocupar é que não estou aqui com a intenção de ir para a cama contigo, ok? Eu já tenho uma pessoa com a qual me estou a dar muito bem, portanto não preciso deste tipo de esquemas para irmos para a cama.
Teresa disse-o com clareza, com a firme convicção de que realmente não estava ali como das outras vezes. Depois do seu divórcio, Teresa tinha ido viver para Inglaterra, com um intuito muito forte, o de esquecer Afonso definitivamente.
Não estivera lá mais do que os seis meses de contrato. Ao fim de dois meses já telefonara demasiadas vezes para Afonso, suficientes para  perceber que o amor que ainda sentia por ele era muito grande.
Quando regressou a Portugal, não aguentaram muito sem se voltarem a ver.
Ele por um carinho e uma atracção muito grande, ela por muito mais do que isso. Estiveram diversas vezes juntos, chegaram a pensar em reconciliação e numa nova oportunidade para os dois. Incrivelmente Teresa com menos catorze anos que Afonso tinha amadurecido como mulher, e as suas ideias quanto a uma vida conjunta com alguém eram bem mais adultas do que as de Afonso, que continuava a pensar em viver um dia de cada vez.
Teresa percebera isso, e decidira afastar-se em definitivo de Afonso, era a primeira vez que o contactava em três meses.
- Bom, então vais dizer-me o que se passa ou não?
- Afonso... só existe um forma de dizer isto, eu fiz uma coisa que não devia e da qual me arrependo muito – disse-lhe Teresa com uma lentidão quase exasperante.
Ia continuar quando subitamente chegou o empregado.
- O Vodka?- perguntou.
- É para mim! - Disse Afonso.
- Continua Teresa!
- Calma!- Teresa apontara-lhe a presença do empregado, que permanecia de pé como se estivesse interessado no desfecho daquele relato.
- É tudo obrigado! – Disse Afonso secamente, olhando o empregado com um olhar ameaçador.
- Continuas com a mesma “simpatia” de sempre Afonso.
- Esquece! O que fizeste então?
- Bem, então lá vai... conheces uma pessoa chamada Marta não é?
Subiu-lhe um arrepio pela espinha cima, em simultâneo com uma lividez que se apoderou da sua tez morena.
- Marta foi aquela maluca que me fez a vida negra durante nove meses da minha vida, já o sabias não? Só não te disse como ela se chamava, para além de mais uns quantos pormenores.
- Sim essa mesmo!
- Explica-me como a conheceste? – Disse ainda a recuperar da incredulidade daquele insólito episódio.
Teresa, pausadamente, explicou-lhe que à cerca de dois meses atrás, lhe tinham ligado para casa da mãe, para onde ela tinha voltado depois do divórcio e onde ainda vivia. Nessa noite uma voz de mulher, forte e agressiva, dissera-lhe que era imperioso encontrarem-se as duas, com alguma urgência, pois disso dependia a sua vida.
Teresa, mesmo assustada não tinha resistido à curiosidade quando fora mencionado o nome de Afonso.
Encontraram-se no dia a seguir, Marta levara uma amiga, que Teresa descreveu como mais velha e com um ar desmazelado, mas não conseguindo entrar em mais detalhes, nem do seu nome se conseguia recordar.
Foram até Setúbal, onde se encontraram com a suposta mãe e pai de Marta.
Afonso estava atónito, nunca chegara a conhecer os pais de Marta.
Esta sempre lhe dissera que estavam emigrados nos Estados Unidos e que não tinha contacto com eles à muito tempo, a sua relação era de algum afastamento por razões que embora o tivessem perturbado e mantido nalguma intriga, nunca o tinham forçado a perceber o real  porquê do seu afastamento.
Não sabendo bem porquê, Teresa teria consentido em falar do seu casamento com Afonso.
Não ocultara nada. Dissera-lhes que Afonso se desinteressara subitamente do seu relacionamento, começando a fazer serões continuados, trabalhar aos fins de semana, a fechar-se, não fazendo o mínimo esforço para manter um diálogo e tentar salvar o seu casamento. Isso era verdade.
O que Teresa não contava era que a razão que estaria por detrás disso era... Marta !?!
- Marta? – Como assim? Perguntara Afonso, cada vez mais surpreendido e muito pouco esclarecido com o desfecho do enredo.
- Sim Marta. – Eles disseram-me que a razão do nosso casamento não ter dado certo, era porque a Marta já existia na tua vida, muito antes de nos conhecer-mos.
Isso é a coisa mais incrível que eu já ouvi Teresa, eu só conheci a Marta muito depois de nos ter-mos separado, como é possível???
- Calma que eu ainda não acabei, disse-lhe Teresa com os olhos a brilhar de infelicidade e de arrependimento.
Depois de ouvir isso, essa Marta pediu-me para eu entrar em mais pormenores, sobre o nosso casamento e eu estava tão enraivecida com o que tinha acabado de ouvir que lhes contei uma série de mentiras a teu respeito, que eras mau marido, que usavas muitas vezes de violência verbal comigo, e não só, que muitas vezes chegavas a casa perdido de bêbedo....
Pára!!! – Não quero ouvir mais Teresa!!! Como foste capaz de falar sobre nós a pessoas que tu nem conhecias? Mas mais grave contar mentiras dessas? Eu nunca te maltratei, nem verbalmente, nem de outra forma, nós nunca chegámos a discutir Teresa!!! Como é possível? Beber? Eu? Tu sabes que ainda hoje se bebo é moderadamente, tu nunca me viste bêbedo!!! Eu não acredito que tu fosses capaz de me injuriar e colocares uma capa tão infame sobre mim, que mal é que eu te fiz Teresa?
- Afonso não imaginas como eu fiquei, não imaginas a dor que eu senti no meu peito, o ódio que eu senti por ti nesse dia quando vi a Marta ir ao quarto e aparecer-me de mão dada com a vossa filha. Tu viveste junto com ela, engravidaste-a e deixaste-a ao abandono, antes de nos conhecermos e casarmos - Disse-lhe Teresa chorando compulsivamente. Nesse momento só imperou o silêncio, Afonso olhava em redor, tentando perceber se estava acordado, se realmente não era um pesadelo o que lhe estava acontecer naquele momento.
- Fez um sinal ao empregado, queria mais uma bebida.
- Bom Teresa, acho que agora é que me vou enfrascar, nunca o fiz, mas essa é demais, e vais-me desculpar agora vou-me começar a rir, porque o caso já não é para menos, estou com uma raiva descomunal pelas mentiras que disseste acerca de mim, mas  começo a perceber que caíste numa armadilha tão grande e tão bem montada que o teu eventual sofrimento só me irá fazer rir.
- Ri-te sim vá goza comigo, os pais dela confirmaram que te conheceram e o que me contaram acerca de ti é em tudo igual como tu eras antes de me conheceres. A forma como vestias naquela altura,
o cabelo comprido, teres vivido fora de Lisboa durante um breve período da tua vida, o Citroen branco que tinhas, e que eu conheci de fotografias que me mostraste, tudo batia certo naquele dia Afonso!
Lembraste quando eu te disse que gostava muito que me levasses a Santiago de Compostela? Tu respondeste-me que estavas farto de lá ir, quase todos os anos ias lá. Acabaste por me levar e realmente tudo o que me contavas sobre a cidade era verdade, as pessoas, os monumentos,  a Catedral , as lojas onde vendiam as bruxinhas. Ela mostrou-me uma foto de vocês  dois abraçados, em frente à Catedral, e outra onde estão a almoçar em Vigo.
Afonso não conseguia conter um sorriso sarcástico, Teresa fora real e inocentemente apanhada numa teia montada por Marta. O que o deixava intrigado era não só o motivo de tamanho enredo, como os personagens que se envolviam nesse mesmo enredo, os supostos pais que nunca conhecera, a amiga, a criança... quem seria? Seria ela filha de Marta?
Pensou talvez filha da amiga de que ela se fazia acompanhar. Como poderia existir alguém com tamanha malvadez e sem escrúpulos como Marta capaz de uma proeza tão maléfica. E com que propósito? O de não o deixar ficar em paz com nenhuma mulher? Seria só isso? Ou Marta ainda estaria no princípio de uma enorme, complicada e ignóbil teia, com motivos ainda mais negros por descobrir? Isso já não só o intrigava, como o assustava, e isso fazia com que se apoderasse dele uma raiva que a muito custo continha.
Tentou com alguma dificuldade, fazer entender a Teresa que tudo isso não passava de uma jogada suja de Marta, as fotografias eram verdadeiras, só que tiradas depois do seu divórcio. Quanto aos pormenores que os pais dela lhe confirmaram, eram fáceis de perceber, pois as pessoas que Marta tinha contactado, os casos que ele próprio lhe tinha contado, tudo isso Marta juntara de tal forma que parecia verdadeiro aos olhos de qualquer um.
Teresa secou as lágrimas, meio envergonhada ao acabar de entender que tinha caído numa grande e maléfica cilada e também por ter contado de forma indecente, uma série de mentiras sobre  Afonso.
Não estiveram mais de dez minutos no bar, foi como se soubessem que o seu relacionamento tinha acabado ali. Qualquer hipótese de se voltarem a encontrar só mesmo por mero acaso. Não foi preciso falarem disso, Teresa percebeu-o quando pediu mais uma vez desculpas a Afonso e este mostrando-se algo desinteressado aceitou-as, levantado-se e dirigindo-se à caixa no balcão, onde pagou as três bebidas.
O empregado abriu-lhes a porta, agradecendo e desejando-lhes uma boa noite. Teresa ainda estava no passeio enquanto Afonso já atravessava a rua na direcção do seu carro, olhou por cima do ombro.
- Adeus Teresa – disse-lhe secamente, não disfarçando um pequeno sorriso irónico na despedida. Apressou o passo, não voltou a olhar para trás, a noite sentiu-a ainda mais fria, a roçar o gélido.










Sem comentários:

Enviar um comentário