terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Apocalipse




O beijo acaba igual, não estranho o pecador,
A canção lembra o mendigo e o vagabundo,
O desejo é tudo, único, distante...perturbador,
Justiceiros escrevem a lenda do sacrifício,
Os sentidos perdem-se na noite sem vestígio.

Choramos sobre as pedras frias de outrora,
Perdemo-nos no labirinto da mesma insanidade,
As lâminas do demónio golpeiam vis lacaios,
Os hábitos ainda cobrem corpos de quem chora,
Como homens comuns, ou de outra santidade.

Da névoa os sinais do Apocalipse não tardam,
A lua testemunha o uivar dos meus lobos feridos,
De morte...as grutas negras encerram segredos,
Da sorte...malévola, que nos traz adormecidos,
Que nos levam as respostas e os nossos medos.

O destino e o mensageiro nascem neste Inferno,
Ambos são viajantes cegos, donos da certeza,
Famintos da loucura dos homens, sem piedade,
Amantes do vale das sombras e do fogo eterno,
Gentis chacais, feiticeiros da nossa leviandade.

Agora nada conta, o mundo desfaz-se...disperso,
Os gentios ajoelham as preces, perdoam profetas,
Perde-se a fé na condição humana...no universo,
As estrelas testemunham as súplicas inocentes,
Pedem-se ventres perdidos a as chamas perfeitas.



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Aqui




Brincamos no nosso tempo, jogamos às escondidas,
Deixamos ficar à pressa, a vontade de a encontrar,
Damos por nós assim, de alma e mentes despidas,
Dobramos cabos de esperança, sem vermos o mar.


Corremos como crianças tentando apanhar o vento,
Apanhamos a sorte à espreita num lugar qualquer,
Dizemos com gestos que ficamos pela noite dentro,
Quebramos manifestos, regras, o que o destino disser.


Encontramos sorrisos dispersos, olhares indiscretos,
Seguimos por caminhos, lendo as histórias bizarras,
Ninguém nos ouve, somos pequenos passos quietos,
Dançando descalços nas cordas mudas das guitarras.


Ligamos às pequenas coisas que nos fazem crescer,
Contando árvores, pedras e os riachos de águas frias,
Quando a vida nos disser a Deus, mostramos que viver,
É tudo aquilo que já fizemos no tempo dos nossos dias.


Sentimos a brisa que nos dispersa por entre a procura,
Revelamos fotografias das ondas que vagueiam incertas,
Escutamo-nos devagar, o silêncio revela a nossa loucura,
Ocultamos negativos, vivendo as nossas cores despertas.


Procuramos o bem esquecendo que fomos desencontrados,
Fingimos ter as certezas, sorrindo dos outros, e deste medo,
Saltamos do abismo voando juntos com os olhos vendados,
Encontramo-nos na razão, lado a lado, amando-nos aqui cedo.
Dedicated to I.S.


JMC In Redenção


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Vazio







Ao pensar nos dias
Que correm atrás do vento,
Naqueles dias
Em que não existimos,
Damos por nós
A gritar no pensamento,
E alguém nos olha, vendo-nos
Como nós nunca nos vimos.

Fustigamos o medo
Receando a nossa vontade,
Vamos concebendo o destino,
Já por si sentenciado,
E acordamos no vazio
Sem a razão e sem a idade,
Para o porfiar,
No horizonte do nosso passado.

Fugindo ao nosso rumo,
Enganamos o sofrer,
Na dor que não tememos,
Vamos esperando sem alento,
E então ficamos, assim
A lamentar o não querer,
A não esperar pelos dias
Do nosso pouco tempo...



JMC In Contradição


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Poetas

São macabros e doces,
Amantes e violadores,
Mendigos inconstantes,
Pedintes e impostores,
Indolentes fulgurantes,
São a chama do fulgor,
A discutível certeza,
Insensatos na proeza,
Tolerantes sem favor.

São lobos e cordeiros,
Pastores sem seita,
Doentes sem maleita,
Ingénuos e matreiros,
Brisa e a tempestade,
Juizes prisioneiros,
A mentira e a verdade,
A justiça e o castigo,
Homens sem abrigo,
Vaidosos sem vaidade.

Desiguais na semelhança,
Ricos ou só pobres,
Ralé, sendo nobres,
Partilhados na esperança,
São um escuro de repente,
Ou um amor trocado,
Também clarão demente,
Um ponto ou universo,
Um frio acalorado,
Em prosa ou no verso.

Um riso na tristeza,
Ao chorar da alma,
São ricos na pobreza,
Enervados na calma,
Descrevem as guerras,
Os gigantes Golias,
Cantam o mar e as serras,
Adamastor e as naus,
Silêncio nas melodias,
Sofrem o fado a trinar,
Saboreiam o caos,
Sem morrer, sem matar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Lucidez silenciosa


Existe um copo deslocado sobre a mesa, usado e sóbrio de vazio,
Assim como jazem à sua volta as cadeiras inertes à espera de nada,
A luz do mesmo dia, fugaz, cobarde e trémula, afasta-se na timidez,
Abrindo as trevas antes de algo findar, ou a noite que sinto esgotada,
Escarnece desta minha solidão e da minha eterna silenciosa lucidez.

Sinto o meu respirar tão frágil. É assim que calculo o teu regresso,
Sinto o meu querer acompanhar-te à saída, mas só o olhar acontece,
Enquanto adormeço o receio e brindo à demora de uma vil melodia,
Breve num sonho que me deixa, parco na escolha do que me oferece,
A outra vida, talvez aquela que a minha coragem nunca escolheria.

São momentos quietos, fingidos. Como este lugar que me atormenta,
Como deixo o cansaço neste corpo entrar, já sem esperar por nada,
Chega ferido e inesperado o sorriso da minha esperança moribunda,
Assim como tem lágrimas esta vida que trago pela mão mascarada,
Carregando a alma neste corpo alugado, sendo apenas dor profunda.

O tempo que nunca foi meu, esqueceu-me e eu deixei-me, esquecido,
Minhas preces foram tormentos e sobras raras de gritos silenciosos,
As minhas amantes foram mulheres a que o destino findou o amor,
Aos meus amigos libertaram a inveja e os infelizes lobos raivosos,
Queimando queridos seres e feitiços, criando medos e jogos de pavor.

Grades que apenas existem na minha vontade, já nada encerram,
Imagino esta cela, as pedras deste chão húmido e frio de degredo,
Onde deixo existir sons que sei de cor, e os murmúrios de piedade,
Fito pela última vez os carrascos que escondem o meu segredo,
Homem acabado, renascido na silenciosa lucidez da minha vontade.

JMC In Redenção


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Lua



Tua luz é um brilho que vejo emprestado,
Incandescente na tua imensa solidão,
Feiticeira, mesmo passageira e ser adorado,
Em outras, sinal de quem te vê a superstição,
Quando és bem querida,
Mesmo por entre nuvens escondida.

Altiva, luz de caminhante e marinheiro,
Viajante no tempo e no espaço segredos,
Melodia de trovador, letra de cancioneiro,
Confessam-te amores, coragens e medos,
Lágrima, mistério sofrido,
Num reflexo dorido.

Chama inerte, pois que esse fogo não é teu,
Chamam-te nova, minguante, cheia, crescente,
Regulas marés, quando te penduras no céu,
Rogam-te preces, como por ti já morreu gente,
Sacrifícios em velhos altares,
Sacerdotes sem tu mandares.

Eclipse onde te escondes, onde apagas teu ser,
Onde na tua silhueta, por segundos és magia,
Negra e alva de seguida, transparente de se ver,
Anciãos ou magos, egoístas roubam-te a poesia,
Ficas presa por um cordel,
Chamam-te lua de papel.

Tens uma face, outro lado negro que não é luar,
Obscuro, oculto, incerto para o outro mundo,
Nasces no entretanto de uma luz que vai findar,
Fases em que ficas, fazes que não vês moribundo,
Ficar este mar, esta terra,
Esta fome e esta guerra.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Fogo inesquecível



Sinto o flamejante olhar que se repete,
Sinto-te pele da minha pele, quente,
Fogo-fátuo que sem lugar nos promete,
Fogo sem dono, que nos morde devagar,
Não sei da arma de fogo que não sente,
Nem dos homens que me vieram acabar.

Acendemos longe aquele fogo de artifício,
Mesmo assim ele vem cercar-me a alma,
Montado no gélido e tempestuoso vento,
Passageiro que se extingue no sacrifício,
Irmão qualquer de chama que nos acalma,
Filho bastardo de um inesquecível tempo.

Conheço o demónio que em si o guarda,
Desconheço-me rebelde nas rubras chamas,
Não esperei em vão por um dia que me tarda,
Debrucei-me no abismo sem nunca cair,
Enquanto as lágrimas tuas que me amas,
Caem pétalas púrpuras na luz do meu sorrir.

Pego-me a ti, num fogo inesquecível,
Num fogo sem rédea, sempre que tu vais,
Amamo-nos neste olhar, neste sem querer,
Faço-te a minha única e chama impossível,
Neste vil banquete onde se acendem castiçais,
Apagam-se fogos que não deviam nunca arder.

Vemos o último fogo inconsequente e sagaz,
Cobardemente caído em cinza que eu mereço,
Mesmo incessante de tudo e de nada capaz,
Nos braços ténues que em seu lume eu nasci,
Entendo-o agora, ao passado a que não pertenço,
Vens tu comigo porque foi por ti que me acendi.

Incendeia-me quando e sempre me quiseres,
Acorda-me e deixa-me aos teus lábios eu dizer,
Que eu existo neste nosso fogo novamente,
Onde chamas já não são receio de me perderes,
Onde não existe mar que separe nosso querer,
Onde se acende este fogo que arde para sempre.



JMC In Redenção