quarta-feira, 27 de abril de 2011

Inquietude ou a solidão dos sentidos...



Falta-me o inconstante olhar no futuro,
Onde me canso, gasto e envelheço,
Falta-me ir de encontro ao que não procuro,
Onde me falta o princípio do meu fim,
Onde me recolho na falta, em vez de um começo.

Sinto um soberbo desvendar do meu segredo,
Encantado numa volátil brisa tardia,
Fico miserável ao me ocultar no medo,
Sou destroço, pouco mais que nada,
Esperando a chegada da sôfrega melancolia.

Talvez cedo de mais para eu por aqui ficar,
E talvez tarde de mais para eu só, partir,
Acolho-me na hora incerta para me tentar,
Num suicídio que ainda me espreita,
Que me deseja neste meu breve sentir.

Suspiro na falta da tua e da minha vontade,
Assim como me falta o teu ventre vazio,
Espero que nunca sofras na minha saudade,
Nem recordes aquele que eu não sou,
Lembrando somente quem nunca partiu.

Reconheço-te na dor de nós separados,
Como reconheço a sombra que nos persegue,
Julgarei quem nos fez injustos condenados,
Sendo mártir de uma última coragem,
Abrindo um mar onde o nosso amor navegue.

Afonso




Embora sem conseguir prestar muita atenção, tentava compreender o porquê daquele poema, deixado por Afonso naquela manhã em cima da pequena mesa de centro, na ampla e sumptuosa sala.
Lara ainda meio ensonada, dirigiu-se à janela da sua varanda, abriu os estores, olhou para o céu azul e límpido onde o sol soberbo reinava à um bom par de horas. Bocejando, esfregou os olhos, ainda mal habituados à claridade que irrompia agora pela sala meio desarrumada.
Sentou-se no amplo sofá creme, cruzou as pernas. Por um breve momento colocou a folha ao seu lado, olhou em redor. Sorriu, os seus sapatos de salto alto permaneciam espalhados pelo chão da sala. No sofá pequeno ao canto e no chão continuavam as suas roupas amarrotadas. Relembraram-lhe a noite anterior.
Tinha sido ali que ela e Afonso tinham feito amor pela primeira vez. Passaram-lhe pela mente, em acelerada retrospectiva todos os momentos tórridos que tinham feito sentir um ao outro.
Afonso tinha-lhe telefonado nessa mesma noite. Lara apesar de não estar com muita vontade acabara por aceder a sair com Afonso devido à sua enorme persistência.
Tinham apenas passeado na pequena praia da Torre, bebido um café, conversando mais um pouco, nada de mais.
Quando a trouxera a sua casa, Lara perguntara-lhe se não queria subir, com o pretexto de beberem alguma coisa e conhecer a sua casa.
Esse era apenas um pretexto, pois tanto Lara, como Afonso sentiam-se imensamente atraídos um pelo outro. Já na praia, naquela tarde o tinham sentido. Como esperava, Afonso tinha dito que sim, não sem antes ter evidenciado uma pequena hesitação, talvez admirado com a franqueza de Lara, talvez por ter partido de Lara, essa iniciativa.
Não se sentia incomodada por ter conhecido alguém numa tarde e com essa mesma pessoa ter tido sexo na mesma noite. Embora esse tipo de atitude não fizesse parte dos seus hábitos, Lara desta vez estava à imenso tempo sozinha. Afonso pelo que lhe tinha contado também. Seria verdade? Teria tido alguém à pouco tempo? Ainda estaria com alguém? Deixou de sorrir, pegando na folha de papel com o poema, preparando-se para o ler. Pressentiu que eventualmente estaria ali a resposta a todas essas questões que a assaltavam. Já começara a despertar daquela madorna. E o que estaria a sentir Afonso? Teria gostado tanto quanto ela?
Voltou a ler. Continuava não só a não perceber o porquê, bem como o próprio poema. Não era das coisas que mais apreciava, aliás até achava um pouco enfadonho, ler livros, romances, quanto mais poesia. Afonso seria assim? Enfadonho? Tinha percebido que Afonso não era uma pessoa superficial ou fútil e isso agradava-lhe. Imaginou-o um pouco romântico, nessa noite ele tinha-lhe oferecido uma rosa vermelha, a qual permanecia em cima do aparador, no hall de entrada.
Talvez até nem lhe tivesse dado a importância devida, mas a fogosidade que Afonso tinha manifestado ao entrar em sua casa não permitiu que a colocasse numa jarra com água.
Pensou... qual a mulher que não gostaria de ter um homem romântico ao seu lado? Sinceramente... Lara era uma mulher demasiado prática, a sua profissão, a sua maneira de viver também não a deixavam ser de outra forma, mas fazia o que gostava, muitíssimo. É claro que dava importância aos preliminares, mas não tanta assim. Gostava de sentir atenção, carinho e adorava todos os jogos de sedução. Afonso tinha acabado de entrar pela sua vida dentro, assim, como um furacão, prático e incisivo...mas romântico.
Deixou de ler, colocou a folha novamente sobre a mesa. Não estava com paciência. A hora da manhã também não era a mais propícia, muito menos para leituras daquele género. Perguntar-lhe-ia mais tarde, pessoalmente. Ficaram de almoçar nesse dia. Lara ligar-lhe-ia para ele a ir buscar assim que estivesse despachada.
Levantou-se indolente, espreguiçou-se, foi até ao quarto, pelo caminho ainda tropeçou nos seus próprios passos, meio trôpega. Foi ajeitando o farto e louro cabelo encaracolado. Parou diante do espelho sobreposto ao aparador.
Os seus olhos desceram na direcção da rosa. Tocou-a levemente, sem a mover, enquanto se encaminhou novamente para o seu quarto. Apesar de tudo ainda tinha algumas horas naquela manhã de domingo. Despiu o robe de cetim rosa transparente e deitou-se novamente, sem qualquer intenção de dormir, apenas a de ficar assim, num prolongado relaxamento em cima da sua cama desfeita.
Um perfume suave e agridoce, com uma ligeira fragrância a madeira, ainda invadia teimosamente o seu quarto, que se mantinha numa preguiçosa penumbra. O longo cortinado de cor rubi, ocultava por completo a janela entre aberta. Gostava daquele cheiro. Deixou cair a cabeça levemente para o lado esquerdo da cama. Era ali que o odor nascia, um suave odor que lhe deixou uma agradável permissão em se excitar. Cheirava a homem...
Não conseguiu resistir. Acariciou as pernas com as suas mãos suavemente, foi subindo lentamente, enquanto fechava os olhos imaginando que Afonso estivesse ali. Uma das mãos ficou, a outra subiu, percorrendo o que restava do seu corpo até aos desnudados seios, acariciando-os, com algum vigor, como querendo-os despertar. Não ficou aí muito tempo. Começou a lamber e a morder o indicador, enquanto a sua outra mão se mantinha apertada entre as suas pernas, escondendo um dedo laborioso.
Sentia o calor a subir pelo seu corpo, abriu as pernas devagar como se estivesse preparada para ser penetrada, assim fez, colocando dois dedos no interior da humedecida vagina. Num vai vem lento, de prazer, levantou os joelhos alternadamente. Depois fê-lo mais frenética e energicamente, enquanto da sua boca saíam lânguidos e longos sons de prazer. Enquanto mordia os lábios, soltou um sorriso imenso de satisfação sem abrir os olhos, tinha acabado de ter um orgasmo. Estendeu o seu braço esquerdo na direcção onde Afonso tinha adormecido na noite anterior, imaginando-o ali...acabou também por adormecer.





sexta-feira, 15 de abril de 2011

Rio





No teu olhar percorri este rio imenso,
Este que nas suas águas frias de Inverno,
Nos deixa a imaginar os verdes prados,
E o Outono que nos envolve tão intenso,
O mesmo que nos aquece num amor tão terno,
Deixando para trás amores desencontrados.

Este é o rio da nossa vida, a nossa corrente,
Água límpida, cristalina, sabendo a verdade,
Corre doce, chegando em lágrimas salgadas,
Ao mar que tudo quer, amando docemente,
A nós que do amor não perdemos a vontade,
Nem retornar às nossas vidas separadas.

É um rio sem margens para o nosso querer,
Alagando suavemente os nossos sentidos,
Serpenteia por entre o vale do nosso amor,
Desce em quedas de água no nosso viver,
Afoga a saudade em que estivemos perdidos,
E todas as feridas que de que já não temos temor.

Nele eu imagino o cheiro da terra molhada,
De que tanto tinhas receio de vir a perder,
Imagino o riso dos teus anjos em ti criança,
Sabendo que eras tu que por mim esperava,
Esperei eu pelo dia que nos viu amanhecer,
Trocando o primeiro beijo da nossa esperança.

Abro o teu sorriso, as tuas lágrimas de alegria,
São águas revoltas, que descem até mim,
Rosto de menina com vontade de mulher,
Vejo um rasgo no céu, uma estrela luzidia,
Cadente caiu, devagar, bem longe do fim

Deste amor que eu não vou deixar morrer.

JMC In Redenção