domingo, 25 de setembro de 2011

O Cerco



O copo vazio que me sobra na mão, enche-me o arrependimento,
Luzes de néon, frustradas nos bares iluminam a demente solidão,
Uma sirene sôfrega de intermitência interrompe-me os sentidos,
Tenho um momento, disparo meus passos sem qualquer direcção,
Subo ao carrossel da incerteza, desço alheio no desconhecimento,
Grito, empurro a raiva, tapando a boca com os meus dedos feridos.
As minhas parcas memórias aceitam-me enquanto eu não me perco,
Sinto a pele a ficar fria, a prostituta aproxima-se sem minha vontade,
Dá-me um valor e sem querer faz-me sentir a minha dor esquecida,
Acabo no meu preço, o beijo que evitamos é justamente essa verdade,
Dou-lhe o braço, as carícias são demasiado caras, saio só deste cerco,
Acompanha-nos uma sombra que julgo ser a minha vida despida.



Tenho uma vida vazia, onde não te deixo entrar,
O cerco acaba com o dia, eu acabo sem terminar,
A minha noite arrefece enquanto o céu se apaga...
Dispo o corpo que me oferece uma sedução vaga...



O tráfego desconhece os sinais e os sentidos contrários determinam,
Que os saltos altos pelo passeio ensurdeçam a minha negra lucidez,
O elevador encerra-me na rotina, enquanto os rituais se despem,
Os lençóis encobrem a sua inocência, eu descubro a minha vez,
Enrolamos um cigarro, acendemos as palavras que nos ensinam,
Discutimos por um punhado de ideais que sempre nos esquecem.



Volto à rua, o que a garrafa me oferece é algo em que eu acredito,
Nesta roleta os dados não são meus, os parceiros de jogo morrem,
Outros sem abrigo acenam-me, e vejo-me a perder sem ter jogado,
Aceito um nome falso, um número invisível, mas não me acordem,
Sei que este sonho não é meu, estou vestindo apenas um fato bonito,
As feridas que não cicatrizam mostram-me que ainda estou cercado.



Piso a seringa que inscreveu mais um nome nos jornais da manhã,
Olhos brilhantes, no beco da discórdia, eu sinto que algo vai mudar,
Os ritmos urbanos entram pelos escuros becos de uma irmandade,
Desconheço os bens mascarados, o ódio é algo mais que quis roubar,
Agora levanto os corpos, o sol quer nascer, a lua deita-se minha irmã,
O que resta de mim vai deixar o cerco vazio, ganhando a liberdade.


JMC In Redenção


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Menos que nada...

Silhueta, vaga, perdida?
Num espaço imenso,
Sem perfil, sem sombra,
Sem dor sentida;
Que não fogo intenso.
Jaz na penumbra,
Algures,
Entre nada.



Vã promessa de afecto,
Sem rumo tomado,
Não é cinza nem pó;
É sitiado do trajecto,
Ausente do tempo danado;
É desgraça só,
Sorte agonizada.



Foi a promessa profecia,
Sem idade, sem a razão,
Era o olhar do futuro,
Mas não passou de heresia,
Misericórdia então,
Por quem não é puro,
Por quem?
Por todos.



A serpente, a maldade,
Por espelhos abençoadas,
Subiram do Inferno.
Ruíram as Santidades
Outrora encantadas,
Nunca e sempre eterno,
É o fogo,
Que arde sem lume.



JMC In Contradição


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Segredos




Murmúrios que liberto no teu olhar,
Alheios ao doce amanhecer dos sentidos,
Despeço-me num tom breve de aqui ficar,
Anseio por não mais estarmos perdidos.


Lentas ficam as noites do nosso adormecer,
Enquanto as estrelas se vão apagando,
Nascendo radioso o sol do nosso querer,
Acordando os corpos que se estão amando.


Erguemos o nosso amor desencontrado,
Caminhamos de mãos dadas ao luar,
Deixamos nascer nosso filho desejado,
Começamos a crescer no nosso sonhar.


És a minha torre de força e esperança,
Levanto-me do chão onde já sobrei,
Liberto a fé sem condição de vingança,
Parto por ti, sem lembrar que em ti fiquei.


Fomos os amantes de outra escuridão,
Deixámos tudo em nós por renascer,
Tendo a certeza de que nada foi em vão,
Deixando que me ames sem me arrepender.


JMC In Punição


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Correntes


Não temo estas correntes por me prenderem,
Não são de aço frio ou de ferro temperado,
São torrentes sem fim, de começo inesperado,
São de ouro, de luz, de sempre, por nos trazerem,
Presos no desejo acorrentado da liberdade,
São anéis que se perdem no ciclo da vida,
E a viagem sôfrega nos elos da nossa vontade,
Renascendo na mudança que nos foi oferecida.

São estas as correntes que nos ligam à infância,
Que nos fazem sorrir hoje pelos nossos passos,
Porto seguro onde os navios prendem a distância,
Onde nossos olhos descansam no acaso destes laços,
Uma lágrima sinto-a soltar-se, sem ter continuação,
Não existe nunca mais despedida, nem um adeus,
Se quebrar esta corrente, outra virá, outras serão,
Correntes que correm, que aqui ficam em traços meus.



JMC In Redenção

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Besta Angelical




Ascende no disfarce de uma efémera borboleta púrpura,
Profetizando as parábolas destes gentios sem esperança,
Lançando pequenos murmúrios de um exército salvador,
Belo pecado e os corvos de negro malditos na vingança,
Acordam crentes e os anjos caídos no prazer e no pudor.

Gárgulas e quimeras observam-na nas noites sombrias,
Enquanto os delírios e o feitiço veneram a sua demência,
São mil receios, alheios que se recolhem nas pedras frias,
Falsos profetas a julgarem-se no luto e na sua clemência,
No estranho arco-íris negro que ilumina as suas profecias.

As crónicas do tempo assinadas pelas garras do demónio,
São capítulos rasgados no granito de uma pedra tumular,
Lembram bravos guerreiros caídos no chão ensanguentado,
Protegendo-se no livro da fé, e nos segredos por revelar,
A besta angelical paira sobre o fétido silêncio aniquilado.

Abutres alinham-se no céu, circulando em volta do banquete,
A raiva dos nobres cães esfaimados é perfeita nesta devoção,
No purgatório dos incautos, amontoam-se coroas decepadas,
Caveiras odiosas que o tempo desfigura em infinita maldição,
Suspiros derradeiros enlutam a noite das almas resgatadas.

Seus lobos famintos que desventram os cadáveres condenados,
E as virgens descalças, possuídas pelos meus demónios, choram,
Defronte do Príncipe das Trevas, senhor das eternas fogueiras,
Por justiça e misericórdia, despidas na pele por mim se demoram,
Suplicando enquanto a besta se devora expiando seus pecados...


JMC In Redenção