quinta-feira, 27 de janeiro de 2011



Evasão

Deixo-te sem dúvida,
E tu abres a transparência
Do que até agora era claro,
A invasão da consciência,
Aquela que eu já não encaro.

Já perdi o teu negro
Manto que me querias escuro,
Os dias eram noites brancas,
As noites, dias atrás do teu muro,
As carícias que não eram francas.

As saídas ocultas,
Escondidas do teu cinzento,
As janelas encerradas,
Por onde eu só ouvia o vento,
Nas emoções destapadas.

Afinal existias,
Jardim de ervas daninhas,
De flores maltratadas,
Abandonado como as minhas
Lembranças encarceradas.

A muralha branca,
Impossível no seu interior,
Impassível no apático sofrer,
Cai por terra, cadeia de horror,
Faço-a cair no meu querer.

Ficas aqui, só,
Entre as tuas paredes, a definhar,
Em soluços que não vou ouvir,
Em lágrimas que não vou secar,
No desespero do meu evadir.

JMC In Punição

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Inquietude.



V Capítulo
(A carta)

“Afonso”
Quando receberes esta carta, eu já estarei fora de Portugal.
Como sabes, a nossa relação estava a deteriorar-se de dia para dia. O
nosso amor, do qual não duvido, nem nunca duvidei, já não era suficiente para manter uma relação minada pela perseguição, receio constante e pela loucura de alguém que ainda não percebeu que tu já não lhe pertences. Também sabes que os meus negócios não estavam a correr bem, tinha a empresa completamente falida, nunca to disse, pois sempre achei que mais cedo ou mais tarde as coisas se iriam resolver. Não se resolveram. Vendi a empresa a umas pessoas amigas.
Disseram-me que ainda tem viabilidade, e eles têm muito dinheiro para investir, algo que realmente era necessário e eu não tinha.
A minha casa ficou à venda. A minha irmã vai ficar a tratar de todos os pormenores.
Como vês tudo se conjugava para mais cedo ou mais tarde eu ter de tomar decisões drásticas na minha vida. Ao dia de hoje penso que foram as melhores para mim, espero não me vir a arrepender nunca.
Voltando a nós os dois, lamento que tenha de ser assim. Não teria nunca coragem para te dizer isto cara a cara. É demasiado doloroso, mas fiquei sem alternativas, julgo eu.
Espero que o tempo apague esta dor que inflijo a nós os dois, assim como espero que um dia me perdoes.
Não pretendo voltar a Portugal, já nada me prende aí.
Desejo que encontres a tua felicidade em breve. Eu vou tentar encontrar-me a mim própria.

Beijo grande
Lídia”

Afonso levou mais uma vez o copo de vodka à boca. Era a terceira ou quarta vez que relia aquela carta.
Sem conseguir manter um tipo de raciocínio lógico, com um nó da mágoa e da bebida forte a apertar-lhe a garganta. O peito, sentia-o a queimar, numa dor angustiante.
- Mais uma...- escapou-lhe, sem perceber se em pensamento ou na voz amargurada.
Um ano e meio depois da sua atribulada separação e a sua vida ainda se mantinha naquele espartilho labiríntico, violentamente conduzido por uma mulher que considerava louca, Marta.
Lídia era a última das três mulheres que saíam da sua vida abruptamente no espaço de ano e meio. Todas elas lhe tinham mostrado razões diferentes, mas todas unidas por um traço comum... ele. O objecto obsessivamente cobiçado por uma intransigente louca.
Acendeu um cigarro, levantou-se na direcção da janela da sua sala de estar, enquanto tentava ligar esta última história a todas as outras. Lá fora a noite permanecia fria, mas não tão fria e sombria como ele se estava a sentir. Era inverno, mais um na sua vida.
Quis acreditar nas outras razões, nas que tinham levado num passado bem recente a que estas três mulheres saíssem repentinamente da sua vida.Existiam outras razões sim, era um facto, mas todas se desvaneciam enquanto só apenas uma se entrelaçava na origem e no final, as atitudes maníaco depressivas daquela louca. Pelo menos no que dizia respeito a estas três mulheres. Talvez Marta se tivesse apercebido que mais cedo ou mais tarde ele viesse a ter uma consolidada e sólida relação com alguma delas e o perdesse definitivamente.
 
JMC In Inquietude, ou a solidão dos sentidos.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011




“Ontem”


Ontem nada me deixou, só um provável tempo perdido,
Deixo-te onde ontem fiquei, deixo-te como acabei, vazio,
Ontem foram horas de ausência, tu e eu, horas de nada,
Um dia em que adormeci num corpo sem alma, despido,
Mas existe sol para além dessa estrada que ninguém viu,
Um amanhã de cores que me libertam à minha chegada.

Coloco o meu olhar na lua branca em quarto crescente,
Tranquei todas as portas e abri as janelas da minha vida,
Senti que ontem era dia de acabar, que me sentia dormir,
Passaram imagens a correr e um rio seco sem corrente,
Não vi lágrimas, nem tristezas, nem aquela página foi lida,
Duas vidas se seguiram, novos passos e um novo sorrir.

Ontem fui irmão do silêncio enquanto o espírito gritava,
A minha captura, os anéis da serpente, a canção despida,
O brilho não eram diamantes, luz negra debaixo do véu,
Inquietei o fantasma distante, ouvi a música enfeitiçada,
Deixei o punhal no teu corpo, deixei para sempre ferida,
A noite de ontem que acabou por morrer, negra sem céu.


Nem a vil memória, nem uma reconstrução do passado,
Nem o brilho de outro olhar nos ficará nesta lembrança,
Um coração bateu fora de tom, e o que não existia ficou,
Como as estrelas mudas não quiseram mais ter escutado,
Ontem foi um fim, mas o dia que nos trouxe a esperança,
Deixou o dia de hoje que nos sorri, e o sol que nos restou.

JMC In Redenção








terça-feira, 11 de janeiro de 2011


Hoje.


Não por ser o dia de hoje, não por hoje ser mais importante que outro dia qualquer, Apenas e só porque hoje decidi começar a minha vida. Digo começar e não recomeçar. Como naquela velha canção de Sérgio Godinho, "Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida" É o dia em que decidi ser feliz. Sim, feliz! Porque estou disposto a respirar, a viver. É o dia em que decido conhecer uma parte do mundo que ainda não conheço. Pessoas que não faço ideia da sua existência física. Risos e sorrisos novos. Paisagens que imaginei. Caminhos e trilhos que posso tomar pela primeira vez. Sabores e odores que me provocam sensações novas. Novos despertares, novas melodias, novos sentidos. Quero conhecer-me a mim próprio. Quero saber quem sou. Até onde sou capaz de ir.


Onde sou capaz de estar, querendo saber o que sou capaz de fazer. Quero tocar. quero ver, quero ouvir, quero cheirar, quero saborear...sem esquecer que à minha existência irei dar outro sentido.


Existi em erros, em dúvidas, em mentiras, em esquecimento, em outras vidas. Hoje decidi que quero existir na minha vida. Decidi que nada se recupera da mesma forma que se perdeu. Decidi que hoje, ontem, amanhã não passam de degraus de uma escada em que subo, em que desço na minha existência. A vida, a natureza trouxeram-me algumas lições, mostraram-me alguns ensinamentos, muitos eu não aprendi. Hoje quero aprender, quero ensinar-me, quero descobrir-me, sabendo que um dia vou querer saber que dia é hoje. Vou ser feliz, nem que seja a última coisa que a vida me ensine...até lá, o dia de ontem, os dias que já terminei, acompanham-me em páginas de um livro que toma forma.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011




















Pesadelo


Seguiste uma luz qualquer
Só porque eras a escuridão.
E agora seguem-te a ti,
As ilusões que foram perdidas,
E os silêncios dessa perdição.

Nem te fica o ténue reflexo
Do que querias que fosse,
Deixas apenas na tua ferida,
As reticências sem nexo...
E a interrogação da despedida.

És asa de borboleta sem tempo
E a vida não te fica mais vazia,
Apenas está cheia de um nada.
Voltaste a ser a noite sombria,
Na mentira que esteve calada.

Vais sóbria de corpo em corpo,
E o teu ventre por fim vazio,
Tens a lágrima sem chorar,
Como és leito seco de um rio,
Que não soube onde desaguar.

Quiseste a tua criança ensinar,
Esquecendo de a aprenderes,
Tiveste a dúvida do começo,
Apostando a certeza, o acabar,
Sabendo a dor sem a sofreres.

JMC In Redenção