segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Inquietude.



V Capítulo
(A carta)

“Afonso”
Quando receberes esta carta, eu já estarei fora de Portugal.
Como sabes, a nossa relação estava a deteriorar-se de dia para dia. O
nosso amor, do qual não duvido, nem nunca duvidei, já não era suficiente para manter uma relação minada pela perseguição, receio constante e pela loucura de alguém que ainda não percebeu que tu já não lhe pertences. Também sabes que os meus negócios não estavam a correr bem, tinha a empresa completamente falida, nunca to disse, pois sempre achei que mais cedo ou mais tarde as coisas se iriam resolver. Não se resolveram. Vendi a empresa a umas pessoas amigas.
Disseram-me que ainda tem viabilidade, e eles têm muito dinheiro para investir, algo que realmente era necessário e eu não tinha.
A minha casa ficou à venda. A minha irmã vai ficar a tratar de todos os pormenores.
Como vês tudo se conjugava para mais cedo ou mais tarde eu ter de tomar decisões drásticas na minha vida. Ao dia de hoje penso que foram as melhores para mim, espero não me vir a arrepender nunca.
Voltando a nós os dois, lamento que tenha de ser assim. Não teria nunca coragem para te dizer isto cara a cara. É demasiado doloroso, mas fiquei sem alternativas, julgo eu.
Espero que o tempo apague esta dor que inflijo a nós os dois, assim como espero que um dia me perdoes.
Não pretendo voltar a Portugal, já nada me prende aí.
Desejo que encontres a tua felicidade em breve. Eu vou tentar encontrar-me a mim própria.

Beijo grande
Lídia”

Afonso levou mais uma vez o copo de vodka à boca. Era a terceira ou quarta vez que relia aquela carta.
Sem conseguir manter um tipo de raciocínio lógico, com um nó da mágoa e da bebida forte a apertar-lhe a garganta. O peito, sentia-o a queimar, numa dor angustiante.
- Mais uma...- escapou-lhe, sem perceber se em pensamento ou na voz amargurada.
Um ano e meio depois da sua atribulada separação e a sua vida ainda se mantinha naquele espartilho labiríntico, violentamente conduzido por uma mulher que considerava louca, Marta.
Lídia era a última das três mulheres que saíam da sua vida abruptamente no espaço de ano e meio. Todas elas lhe tinham mostrado razões diferentes, mas todas unidas por um traço comum... ele. O objecto obsessivamente cobiçado por uma intransigente louca.
Acendeu um cigarro, levantou-se na direcção da janela da sua sala de estar, enquanto tentava ligar esta última história a todas as outras. Lá fora a noite permanecia fria, mas não tão fria e sombria como ele se estava a sentir. Era inverno, mais um na sua vida.
Quis acreditar nas outras razões, nas que tinham levado num passado bem recente a que estas três mulheres saíssem repentinamente da sua vida.Existiam outras razões sim, era um facto, mas todas se desvaneciam enquanto só apenas uma se entrelaçava na origem e no final, as atitudes maníaco depressivas daquela louca. Pelo menos no que dizia respeito a estas três mulheres. Talvez Marta se tivesse apercebido que mais cedo ou mais tarde ele viesse a ter uma consolidada e sólida relação com alguma delas e o perdesse definitivamente.
 
JMC In Inquietude, ou a solidão dos sentidos.

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